16 março 2006

O Enclausurado

As paredes de sua casa derretiam-se. O teto pingava gotas cinzas empoeiradas de cimento e as paredes, simplesmente, derramavam-se encobrindo seus pés agora inteiramente presos. Aos poucos, tornara-se uma estátua incapaz de um movimento sequer como um sorriso ou uma lágrima que seja. Neste momento não era mais cinza a cor de sua casa, era escura, como aquela sem limites dos sonhos que não enxergava. Arregalou os olhos em pavor e ofegou-se. De volta à sua casa, em carne, desabrigou as lágrimas atadas do medo. Era vital bebê-las, visto que alimentava-se de si próprio, de seu excremento e de seu próprio sangue que descobrira quando já grande. Foi seu primeiro contato com a cor vermelha. Naquela mesma manhã, ou tarde, ou noite, já que não havia diferença em seu tempo acronológico, pois não havia sol ou lua ou flores, em que tentara desvendar se a vida era só aquilo dentro desse espaço pouco além de uma palma com os braços estendidos pelos lados. Quisera abrir um buraco no chão para ver se aquele era o caminho para o desconhecido fora de si, no entanto dera conta de o quão frágil e insatisfatório era seu corpo que jorrara o líquido impressionantemente vivo e quente no instante de seu enfrentamento com aquele concreto duro e frio. Como aquilo o surpreendera! Não conseguiria jamais exprimir em sussurros a emoção que tivera, porque ainda pequeno ouviu-se capaz de emitir sons pelo mesmo orifício pelo qual alimentava-se. Iniciou com todos os a, é, i, ó e u e evoluiu para os pá, bá, dá, zá, mais tarde pronunciou todos mi, dó, fé, lu e concluiu o conclave da solitude com todos os trans, trens, trins, trons e truns. Passou a cantar e descobriu o ritmo: pá-pá-rá-rá-rá, pá-pá-rá-rá-rá, ba-bá-tum-tum, pá-pá-rá-rá-rá. E passou a dançar e sentiu o sorriso que não sabia ao certo o que era, pois é assim que o mundo funciona. Via seus braços, suas pernas, seu tronco, porém o local onde estavam seus olhos lhe era tão estranho que, ainda que suas mãos se fizessem de olhos, haveria muito mistério em si mesmo que era impossível de desvelar detalhadamente. Ainda não era assim tão grande, contudo maior do que o menor que se podia recordar, e notou que cresciam pêlos em seu corpo, parecidos mas não iguais, é bom que se diga, àqueles que tinha sobre o longo e arredondado espaço acima dos pêlos acima dos olhos, e que seguiam para onde jamais pudera ver. Estes eram mais grossos e menos longos e percorriam-lhe as pernas, o entorno da boca e o escroto. Por um instante acreditou que pudesse comê-los, mas era demasiado dolorido extirpar um que fosse de seu corpo que renunciou à idéia rapidamente. Dentro de pouco tempo, outra sensação física tortuosa o acometeu quando seu órgão enrijeceu. Num primeiro impulso, achou poder parar aquilo aos socos. Mais dor! Reparou, então, que um outro tipo de movimento manual fazia extrair-lhe um líquido diferente da urina após uma vertigem dos sentidos. Era vital bebê-lo. Percebera, em ímpeto, que a pequena fração descoberta de seu esqueleto, compunha a firmeza necessária para lutar contra o pó endurecido. Raspou seus dentes no ponto que julgou ser o caminho. Por muito tempo manteve-se sem obter o mínimo sucesso, nem ao menos uma ranhadura, um buraquinho ou um furo ainda que superficial. Ponto após ponto, rastejava-se. Perdera cinco soltados de sua arcada, no entanto não entregaria a batalha com mãos ensangüentadas que agora esmurravam as parede que emitiam seus estancados sons da concretude. De repente, o assomo do oco naquele ponto! Tuc-tuc aqui. Tóc-tóc ali. E como todo o resto era tuc-tuc, só podia ser no tóc-tóc, e lá começou a raspar seus dentes, e os primeiros grãos de pó já se desintegravam dos demais que mais tarde também se desintegrariam. Do minúsculo buraco que abriu, começou a usar os dedos para expandí-lo. Tanto mais o buraco ampliava, mais sua mão sangrava e jorrava o vermelho vivo e quente, até o momento em que destacou-se uma fenda de altura e tamanho proporcionais à sua face. Não era concreto aquele objeto ao fundo. Era madeira! Experimentou sua textura com um sutil toque que, para seu espanto, fez o objeto girar em torno de um cilindro metálico.
Era um espelho.

* Texto parte de uma coletânia de contos que escrevo por falta do que fazer :-P ..

15 comentários:

Anônimo disse...

Nossa!!! Vc deveria era escrever um livro... e se fizer isto, me avise!!! :) bom final de semana

Anônimo disse...

Danielle, boa noite!
Adorei seu "Acróstico Lírico".
Cheguei até aqui por uma comunidade do orkut. Gostei daqui!
Bom final de semana e um abração!

odeio a lua disse...

e anda lendo muito Sade?

odeio a lua disse...

ah!!!! deixa eu te dizer uma coisa!!! vai lá:

- mim tem horor a Dali, rs. Era isso só, rs.

Anônimo disse...

Oi querida! Qdo sai o seu livro? Beijão.

Anônimo disse...

uau hein Dani!

as coisas por aqui continuam intensas como sempre....gostei, volto aqui pra ler o resto....

saudades de vc babie...vamos combinar a lendária breja pra colocar as fofocas em dia!

beijão!

Anônimo disse...

meu deus do ceu
se vc escreve isso quando não tem o que fazer, imagina o que não escreve quando tem
aff adorei!!!
quando a gente chega no final... caraca
fiquei com cara de "poia"
amei

Anônimo disse...

posso salvar pra mim?
uma copia?
hehehe

Anônimo disse...

Ui!!! Me falta o ar...beijos de mim

Anônimo disse...

li quase sem respirar...aflição e deleite...é disso que a vida é feita? ainda bem que vc, por vezes, não tem mais o que fazer!
muita falta do que fazer pra ti!
beijo
Valéria

Anônimo disse...

Cortázar deve ter se sentido homenageado por seu estilo!
"Beber as lágrimas"... foi forte!

Anônimo disse...

a propósito
se quiser me mandar sua coletânea..
tquintellademattos@yahoo.com.br

Anônimo disse...

Oi.. não comentei nada ne?
Mas tb como comentar sua intensidade.. não posso tanto.. vivo somente a admira-la e, obviamente, a discordar de vc..rs.. só pq vc se irrita..rs...
love ya, anyway...
Gostei da nova cara do Blog.. mas ficou mais séria e menos, por assim dizer, chocante... hehehe...

Miss ya.. vem visitar a gente???
beijos mil

Anônimo disse...

tu muda de layout e num atualiza?
affffffff

Vanessa Anacleto disse...

Falta do que fazer produtiva , hein?
Fazia tempo que não tinha tempo de visitar os amigos, nem vi layout novo!

abração,